Um desavisado postou um comentário dizendo assim: Hitler deveria ter os seus motivos na época. Me chocou, mas fui calmamente responder, dizendo que ele estava confundido as coisas, que as motivações de Hitler, dentre outras coisas, eram baseadas num mito antissemita comum na europa e no mundo, e que NADA, absolutamente nada justifica o Holocausto.
A partir daí a discussão foi tanta que o post recebeu 76 comentários. A maioria sensata, dizendo que não dá pra dizer nunca que Hitler teria "seus motivos", mas alguns relativizando e comparando com a postura do Estado de Israel, fazendo a confusão habitual entre judeus e Governo de Israel.
E isso me assusta. Primeiro porque a ignorância é a base pra todo preconceito. Se o outro é diferente, se não é meu "igual", se eu não me reconheço, eu posso ignorar, ou pior, odiar.
Segundo porque o Holocausto está ficando cada vez mais distante, vai virando história. Somos a última geração que pode conversar com pessoas que viveram o inimaginável, que têm seus braços tatuados com números, que viveram uma das maiores atrocidades já cometidas pela humanidade.
Estou estudando Holocausto há 4 meses. Em julho vou visitar os Campos de Concentração na Polônia e, depois, em Israel, participo de seminários sobre o legado e sobre chacinas étnicas atuais. E antes que alguém venha com aquele papo de que os judeus não esquecem esse sofrimento ou usam como justificativa para tudo, explico: O HOLOCAUSTO NÃO É UMA QUESTÃO JUDAICA, É UMA QUESTÃO DA HUMANIDADE.
Em caps, gritando mesmo!
Sempre existiram chacinas étnicas horríveis, o ser humano é bicho violento e estúpido, mas o Holocasuto se diferencia de outras chacinas por algumas questões pontuais e muito sérias. Um Estado com uma produção intelectual brilhante, um lugar onde floresciam novas idéias, colocou todo esse pensamento racional com o objetivo de exterminar alguns grupos de pessoas. Morte de maneira industrial.
No início, o extermínio era como qualquer outro, armas de fogo e banho de sangue. Mas, mesmo para um soldado nazista, as imagens da violência ficavam presas na memória. Não é normal assassinar um ser humano. Há casos em que os nazistas, em 24 horas, assassinaram 30 mil pessoas. Colocavam-nas na frente de uma vala e iam atirando, com revezamento dos pelotões. Dá pra imaginar a quantidade de sangue? Eu não consigo. Não tem como não ficar um trauma de alguma forma.
Era preciso uma forma de extermínio mais eficaz, que não impactasse no soldado e desse mais resultados. Os cientistas, estrategistas, as cabeças pensantes do Nacional Socialismo se reuniram para criar esse método, e alcançaram o objetivo.
Sempre me perguntei como os soldados alemãs conseguiam conviver com si próprios, como era possível acordar, tomar café, escrever cartas pra mãe ou pra esposa, e depois mandar milhares de seres humanos pra câmaras de gás.
A estratégia nazista foi desumanizar os prisioneiros. Não existiam nomes, e sim números. Não havia rostos, e sim uma população inteira com cabelos raspados, raquíticos pela fome, com um mesmo uniforme. E quem levava para o crematório os cadáveres dos assassinados nas câmaras de gás eram os próximos da fila. E o gás, também foi desenvolvido por eles! Uma estratégia extremamente eficaz.
Por isso não dá pra esquecer. É tão importante que a gente se lembre como a humanidade conseguiu chegar a esse ponto pra nunca, nunca mais repetir. Posso até estar estudando porque eu sou judia, mas o holocausto me dói porque sou humana.
PS. Quem quiser acompanhar as aulas via Twitter é só procurar por #yadvaed10, e toda segunda a partir de 20h30 eu to tuittando.
foda, né? o antissemitismo é uma praga. quando você pensa que ele morreu, lá vem ele de novo com força total, só que dissimulado...
ResponderExcluirpor isso que pessoas como nós têm o DEVER moral de falar disso sempre que possível e se apropriar dessa história, não deixar que a pervertam.
Prima,
ResponderExcluirLi recentemente o livro “Masters of Death” do premiado e sempre excelente Richard Rhodes (http://www.amazon.com/Masters-Death-SS-Einsatzgruppen-Invention-Holocaust/dp/0375708227). Ele descreve um capítulo pouco conhecido do Holocausto, o extermínio quase que completo dos judeus em regiões que vieram a ser depois parte da União Soviética e onde o acesso às informações no pós-guerra foi limitado. A quase total ausência de sobreviventes também torna essa história menos conhecida. Ninguém com cabeça raspada e braço tatuado por lá. Sem Simon Wiesenthal para escrever livros ou dar entrevistas.
A maioria das pessoas naqueles lugares – e no Holocausto como um todo - não foi morta de forma “industrial” em “fábricas de morte”, como é a imagem mais comum que temos. A maneira desenvolvida pelos sempre engenhosos alemães e seus capangas locais em uma organização conhecida como “Eisatzgruppen” era deitar as pessoas vivas sobre outras já mortas em valas cavadas previamente e eliminá-las com um único tiro na nuca. Depois jogavam cal em cima e cobriam de terra. Simples, barato e eficaz.
Acontece que Himmler assistiu a uma dessas execuções e ficou passou mal, enojado. A partir daí, ele procurou uma maneira mais “humana” (aos assassinos) e aí surgiram as câmeras de gás. Ao mesmo tempo, as indústrias Alemães desejavam trabalhadores escravos e insistiram para usar as pessoas que iriam ser executadas. Auschwitz, com toda a sua crueldade, era essencialmente um campo de *trabalho*, daí seu tamanho e a presença de alojamentos! Isso também contribuiu para a existência de evidências (os campos em si) e uma quantidade razoável de sobreviventes.
No entanto, a maioria das pessoas foi morta com pouco alarde, sem instalações industriais, em valas comuns em campos próximos às cidades onde moravam. A cal destruiu as provas em poucos anos.
-Mauro
Mauro!
ResponderExcluirQue bom te ver por aqui.
Vou procurar o livro. Sim, Auschiwitz foi um campo de trabalho. Não sei se você leu o É Isto um Homem? do Primo Levi, mas ele descreve o campo de uma forma absurda. Livro que tem que ler.
Quando eu voltar da viagem vamos marcar um chope? Aliás tá tendo uma exposição sobre Holocausto aí no Sesc Pompéia.
beijo!
excelente texto Mila.... resumiu mto bem boa parte das questões mais fundamentais e importantes que aprendi qdo fiz as aulas. parabéns!
ResponderExcluirMauro querido, totalmente filho de Tio Sérgio! Maior orgulho!
ResponderExcluirBelo, comovente e didático a sua crônica, Miloca. É isso aí. A ignorância e o desconhecimento são a base do preconceito. Beijo.
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